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  • Serginho Neglia

A militância profissionalizada

Atualizado: 13 de ago. de 2020


Em entrevista ao Jornal espanhol El Pais, publicada na edição do dia 20 de Outubro de 2013, e repercutida no dia seguinte pelo Correio do Povo, o Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas ao PT. Lula disse que parte do partido se distanciou das origens do PT e “valoriza muito” cargos públicos.


A recente crítica de Lula nos remete a um conflito real que todos os partidos brasileiros vivem, que é a “profissionalização da militância”. No período anterior e imediatamente posterior a ditadura, a militância política era exercida quase que em sua totalidade por “idealistas”, pessoas que traziam consigo utopias e uma certa “megalomania”, que lhes fazia acreditar que poderiam “mudar o mundo”, no linguajar atual poderíamos dizer que quase todo o militante, principalmente de esquerda, era um “sonhático”.


O tempo passou e aos poucos a esquerda foi chegando ao poder e com ele a oportunidade de fazer a diferença, de colocar em prática tudo aquilo que era sonho e teoria. Infelizmente a realidade nos trouxe frustrações e também alguns efeitos colaterais. Um deles é a militância profissionalizada, que consiste, basicamente, de pessoas que ingressam nos partidos quando eles estão no poder, que vão, desde aqueles que faziam parte de outros partidos, que a medida que eles perdem e outro assume, migram para o partido que está no poder, e assim sucessivamente, passando por aqueles que foram indicados para ocuparem alguma função em atendimento a um pedido de um parente ou amigo com “relações políticas”, que “ajudaram” na campanha. Existem também aqueles que são funcionários de carreira e que acabam simpatizando com o partido que está no governo e a ele acabam se filiando. São muitas as situações.


Isso quer dizer que essas pessoas não são bem vindas? Não! O problema não é esse, pois, muitas vezes essa é uma boa oportunidade de garimpar novos talentos, líderes natos que estavam a espera de uma oportunidade. O problema é como os partidos se relacionam com esse militante, como eles são “ganhos” para a causa, como é passado o entendimento e a compreensão que o poder é passageiro, e em primeiro lugar está a fidelidade, a honra, a honestidade e o respeito aos valores e princípios que o levaram até aquela posição. Idealistas não estão nos governos para se perpetuarem no poder e para se locupletar. Estão lá para cumprir uma missão, e tão logo ela esteja concluída, deve-se partir para outra. Ter apego aos salários, ao poder, ao conforto e as facilidades é algo comum entre as pessoas e isso faz com que se esqueçam dos seus reais objetivos.


Na entrevista, Lula deixa claro essa preocupação quando diz: “… gente que valoriza demais o parlamento, outros que valorizam os cargos públicos…” para ele, “as pessoas tendem a esquecer os tempos difíceis em que para nós era bonito carregar pedras. Acreditávamos, era maravilhoso. Um grupo mais ideológico, a gente trabalhava de graça, de manhã, de tarde, de noite. Agora, você vai fazer uma campanha e todo mundo quer cobrar. Não quero voltar ás origens, mas o que eu gostaria é que não esquecêssemos para que fomos criados”.


É preciso que todos os partidos saibam lidar com isso, que não se afastem de seus princípios e ideais. Quando se deixam levar pelo objetivo de garantir “espaço” para seus militantes, os partidos se desviam de seus princípios ideológicos e viram “produtos” em prateleiras, a espera de alguém que lhes ofereça o “melhor preço”, e isso cria anomalias como a “supervalorização” de parlamentares e do poder.

É muito comum alguns parlamentares utilizarem-se do fato de “ter votos” para auferir vantagens perante os outros militantes, o que muitas vezes desvaloriza o papel do “dirigente partidário” e impede o desenvolvimento de novas lideranças.

Lula crítica supervalorização do parlamento. Eu tenho certo descontentamento com a supervalorização e com postura de alguns parlamentares, embora sejam fundamentais, eles não são todo o partido. Nenhum partido vive de parlamentares e seus CCs, é preciso ter militantes, dirigentes, pessoas comprometidas com o ideário partidário e coletivo, pois o vinculo com o parlamentar, tende a se transformar em uma relação personalista, que leva, muitas vezes, ao interesse de manutenção do mandato, e consequentemente dos “cargos”, uma prioridade acima do interesse coletivo do partido. É muito comum alguns parlamentares utilizarem-se do fato de “ter votos” para auferir vantagens perante os outros militantes, o que muitas vezes desvaloriza o papel do “dirigente partidário” e impede o desenvolvimento de novas lideranças.


Infelizmente, são poucos os parlamentares “altruístas” que compreendem que “mesmo sem mandato” o dirigente tem um papel fundamental na organização partidária, no garimpo de novas lideranças, no contato com a população e com os demais partidos, e que partido de verdade valoriza e investe na formação de “quadros”.  Disputar eleições não é o único objetivo da existência de um partido político.


É hora dos partidos repensarem seus objetivos de futuro, e ousarem na busca de um novo modelo político e partidário, mais próximo da ideologia e da coletividade, menos individualista. Crer que pode ser feito diferente é fundamental para que os paradigmas e os “vícios” sejam quebrados. Eu quero mais e melhor!


Observação: Esse texto foi publicado originalmente no Blog Vanguarda Socialista em 22 de Outubro de 2013


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